sexta-feira, 23 de maio de 2008

A crítica à moda portuguesa

Olá meus amigos, hoje vou falar-vos de uma incapacidade muito portuguesa que me causa um nível de irritação muito próximo do som produzido por duas chapas metálicas em pleno coito desenfreado, deslizando por cima de centenas de pregos em aço afiados, cobertos por uma pesada e áspera lixa.

Em Portugal como todos sabem, vamos do 8 ao 80 em pouco tempo. É como ter um comboio bastante rápido como o Alfa Pendular com velocidade limitada a 80 km/h pela obsoleta linha ferroviária onde este circula quando pode dar 300 e pensarmos em comprar um TGV para andarmos à velocidade supersónica… numa altura em que os combustíveis estão ao preço que todos sabemos…

Mas não é sobre comboios que vos vou falar hoje, mas sim da parca capacidade dos portugueses em fazer uma crítica com pés e cabeça.

Como disse anteriormente existe o 8 e o 80, que nestes casos é fazer o seguinte: ou dizer que está tudo bonito e que o cocó cheira mal, sim senhor mas podia cheirar melhor e por isso está-se bem; ou criticar ferozmente, ornamentando uma considerável quantidade de baba no canto da boca.

Porque será que não somos capazes de dizer o que está bem sem sermos odiosa e irritantemente simpáticos? Ou dizer-mos que algo está mal sem sermos uma bestas babosas, capazes de afugentar dois rottweilers com raiva?

Um outro exemplo da incapacidade de criticarmos o que quer que seja:

Um dia, durante uma apresentação de trabalhos com direito a autocrítica em que tudo roçava o medíocre, incluindo o trabalho do meu grupo, um funesto e frustrado colega meu da universidade, proferiu a seguinte frase: “tu criticas e falas tão bem que estava a espera de uma coisa melhorzinha, do outro mundo”…

Meus amigos, vamos cá ver uma coisa, desde quando para criticar de uma forma justa e com pés e cabeça, uma obra ou um autor, é necessário desempenhar com igual ou superior mestria a respectiva actividade? Por essa ordem de ideias não podemos criticar um quadro de Monet se não formos uma Paula Rego ou criticar a vida amorosa de Elsa Raposo sem termos ido para cama com a cidade de Lisboa.

Eu diria que se esse tipo for coerente na prática como é na teoria, ficamos nesse dia a saber que, na intimidade, ele é o sujeito passivo…

Alguns intelectuais chamam-lhe cooperativismo e solidariedade. Eu limito-me a chamar-lhe cobardia e desonestidade intelectual… “eu não critico porque não consigo fazer melhor…” ou será antes: “…não critico para não ser criticado na minha classe…

Se calhar é por essa dificuldade em ser criticado ou de criticar, com pés e cabeça, o que nos rodeia que temos um nível de exigência tão baixo em relação ao nosso país e a nós próprios.

Se a crítica for boa e soubermos engolir o que a crítica tem de bom, nós e o nosso trabalho só temos a ganhar. E não devemos livrar-nos do que fazemos de mal ou ter vergonha nisso, devemos guardar o que de mau fizemos e tentar fazer melhor. É isso que tento fazer… foi o que os meus pais fizeram.

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